Em meio aos corredores silenciosos das instituições, onde papéis e editais costumam decidir destinos, a voz de quem insiste em existir se fez ouvir. O professor Iguatemi Rangel, único professor negro apto a concorrer à vaga, foi impedido de continuar na coordenação do Curso de Pedagogia EaD pelo edital 046/SEAD da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Com mudanças arbitrárias e sutis, o edital havia fechado portas que deveriam estar abertas para o povo negro. Mas a história ensina: não se cala quem resiste.
A luta começou nas entrelinhas da injustiça e se fortaleceu na unidade. Cada reunião, cada
mobilização do Movimento Negro Unificado, da Unegro, do Círculo Palmarino, do Instituto
Elimu, do Coletivo de Negros e Negras do ANDES-SN, cada estudante e docente que emprestou sua voz, tornou-se tambor de resistência. Foi essa pressão coletiva que abriu caminhos que antes pareciam fechados, fazendo a universidade cumprir finalmente o que já determinava a Portaria Capes nº 309/2024, publicada em setembro de 2024 — o mesmo mês em que a SEAD/UFES lançou o edital 046 que excluiu o professor Iguatemi da possibilidade de concorrer à vaga. Levou quase um ano para que essa portaria fosse cumprida. Um ano é muito tempo quando a justiça é urgente e a reparação é necessária. Racismo é crime, e nossa luta não se cala.
E veio a vitória: a reitoria reconheceu a injustiça. No dia 8 de agosto de 2025, publicou a Portaria Normativa nº 255/2025 e, pela SEAD, o edital 025/2025 — fruto direto da pressão dos movimentos. Esse novo edital não apenas retirou os requisitos excludentes de 2024, como se tornou histórico ao priorizar ações afirmativas, destinando-se preferencialmente a pretos, pardos, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, trans e travestis. Não é apenas uma vitória individual; é a vitória de todos que lutaram, da justiça que se faz concreta e da memória que se ergue. A denúncia, que em 2024 parecia ecoar no vazio, agora abriu caminhos e reconstruiu espaços antes marcados pelo silêncio e pela exclusão.
O que celebramos não é apenas a manutenção de um direito: é a força do povo negro que exige reconhecimento e reparação. Cada decreto, cada portaria, cada grito pelos corredores e cada marcha pelo campus foi linha de memória e ação, costurando um quilombo dentro da universidade. Essa conquista carrega consigo as vozes de todos os movimentos que se recusaram a aceitar a exclusão velada e a invisibilidade imposta.
Mas a luta não para aqui. Ao ousar nomear o racismo institucional na SEAD/UFES, tentaram transformar a denúncia do professor Iguatemi em ofensa pessoal. É a velha estratégia de quem prefere apagar a fogueira culpando a brasa. Mas continuaremos acendendo o fogo. O povo negro segue em coro, e nossa voz é tambor que estremece, maré que insiste, trovão que ninguém consegue conter.
Manteremos a vigilância e a força coletiva para que essa conquista se espalhe por todos os
programas de bolsas, chegue ao CAP Criarte Ufes e vire regra, não exceção. Seguiremos em unidade, porque cada passo que damos juntos é território que se abre, é direito que se afirma, é quilombo que se ergue onde antes reinava a exclusão.
Categoria: Colunistas
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Da luta à vitória – Unegro ES
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Fundação Palmares completa 37 anos: vicissitudes na trajetória de vida de uma instituição que é uma conquista do movimento negro brasileiro.
Criada em 1988, seu nome homenageia o Quilombo de Palmares, símbolo de resistência contra a escravidão, marco da luta pela liberdade e afirmação da identidade negra no Brasil. Têm importância histórica e social, por ter como objetivo valorizar e preservar a cultura afro-brasileira, proteger e certificar as comunidades quilombolas, tendo como norte promover políticas públicas de equidade racial.
Sua criação da foi uma reivindicação do movimento negro ao governo brasileiro. Surge num momento histórico em que ares de democracia começavam a sobrar em nosso país, depois de 20 anos de ditadura militar que calou muitas vozes que se opuseram ao regime autoritário.
Talvez, seja pelo que ela representa, tenha sido tão atacada durante o governo Bolsonaro. Na gestão do então presidente Sérgio Camargo, um legítimo “capitão do mato”, a biblioteca foi sucateada, o Machado de Xangô orixá da justiça no Candomblé que simboliza resistência e herança africana deixou de ser o símbolo da fundação, anulação de 27 nomes da lista de Personalidades Negras Notáveis, foram tempos difíceis.
Um dos grandes desafios da Fundação Palmares é a Titulação dos quilombos, não se faz justiça social sem que se mexa em privilégios, o acesso à terra foi negado ao povo negro, em 1850 uma lei federal proibia a aquisição de terras por pessoas negras.
O acesso à terra garante dignidade, autonomia, e soberania alimentar. Por isso, as elites nacionais atuam fortemente no Congresso Nacional contra as políticas de Ações Afirmativas. Aqui no Espírito Santo tem 46 comunidades quilombolas certificadas, mas apenas uma titulada. Titulação é a posse definitiva regularização fundiária do território quilombola.
Esse número representa o quanto tem sido difícil avançar nesta agenda.Na solenidade de comemoração em Brasília na última segunda-feira (25), foi assinado pelo presidente da fundação João Jorge Rodrigues o Ato Institucional devolvendo os 27 nomes a lista das Personalidades Negras Notáveis, novos nomes foram incorporados chegando ao número de 330, número que faz referência aos 330 anos do martírio de Zumbi dos Palmares, símbolo maior da luta pela liberdade povo negro em nosso país.
Ângela Davis, Antonieta de Barros, Arthur Bispo do Rosário, Cartola, entre outos, fazem parte desta lista de Notáveis.
Entre os capixabas constam os nomes de Albuino Azevedo, Chico Prego, Dona Astrogilda, Edson Papo Furado, Eliza Lucinda, Gustavo Forde, Maria Laurinda Adão, e Zacimba Gaba. A lista é um acervo vivo, novos nomes serão incorporados no futuro.Durante seu pronunciamento o presidente da Fundação Palmares destacou o momento de reconstrução institucional e político da entidade, afirmou que
“os 37 anos marcam uma nova fase, mais vigorosa e conectada ao futuro, dedicada a quilombolas, povos de terreiro, e as expressões Negras que moldam o Brasil”.Vida longa a Fundação Cultural Palmares!
Salve Zumbi, salve Palmares!Por Welington Barros
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Comitê de Cultura do ES promove noite de celebração à cultura popular em Vila Velha
Uma tarde/noite de celebração da cultura popular em Vila Velha, na Casa Cultural 155, no último domingo (29). Foi uma ação de mobilização, formação e intervenção cultural do Programa Nacional dos Comitês de Cultura (PNCC), programa instituído pelo Ministério da Cultura (MinC), que no Espírito Santo é realizado pelo Instituto Políticas e Ações Comunitárias (IPAC) e pela União de Negras e Negros pela Igualdade ES (UNEGRO-ES).
A programação iniciou às 17:00 com uma Roda de Conversa sobre Políticas Culturais de Base Territorial e Editais culturais com Thaís Souto Amorim, Gerente de Territórios e Diversidade da Secult, e Nieve Matos, Coordenadora do Escritório Estadual MinC no ES.
Logo após teve performance poética “Escuridão” com o rapper e poeta Dasilva, apresentação da Associação de Capoeira São Salvador, e da banda de congo Mestre Honório. Seguido da exposição: Ritmos e Identidade, a história do Congo em Vila Velha, com exposição de diferentes tipos de instrumentos produzidos por artesãos locais, painel fotográfico e audiovisual sobre a história e evolução dos ritmos e manifestações do congo na cidade.
Teve também a exibição dos curtas-metragens Griôs Capixabas e Graça São Benedito. O primeiro traz à tela a trajetória de cinco lideranças inspiradoras, guardiãs de suas culturas e lideranças em suas comunidades, produção da Odoyá–Arte e Cultura através da lei de Incentivo Paulo Gustavo Secult, o segundo, dirigido por Sara Engelhardt, retrata a tradicional Festa de São Benedito, também produzido através da lei Paulo Gustavo pela Prefeitura Municipal da Serra.
E, para encerrar a noite cultural, teve a apresentação prévia do disco Zé Tom com interpretação de Matheus Maraí e participação de convidados. Foi uma tarde/noite incrível, um encontro de gerações entre o congo e a capoeira, promovendo a arte e a cultura como instrumento de transformação social.
A articulação em rede é um dos propósitos do comitê, e a construção de parcerias é fundamental. Por isso, registramos nossos agradecimentos à Casa Cultural 155 na pessoa do Rayan Brayan.
Por Welington Barros, assessoria técnica PNCC ES e registros fotográficos de Willians Espártaco.
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21 de março Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, um dia de luta e reflexão pela superação das desigualdades sociorraciais historicamente construídas
21 de março é o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação racial, proclamada pela ONU (Organização das Nações Unidas) a data é em homenagem aos 69 mortos e cerca de 180 feridos, no massacre de Sharpeville, Ãfrica do Sul, durante protesto realizado em 21 de março de 1960 pelo Congresso Pan-Africano contra a Lei do Passe, um documento que demarcava onde os negros poderiam transitar, era a luta contra o apartheid.
Na mesma Ãfrica do Sul, Durban em 2001 realizou-se a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia, e formas Correlatas de Intolerância. A conferência foi um marco nas discussões sobre racismo, pois o tráfico transatlântico foi reconhecido como uma barbárie e um crime contra a humanidade, nela o Brasil apresentou a proposta das cotas raciais e políticas de reparação. A Declaração e o Plano de Ação criaram ambiência para avançarmos em nosso país nas políticas de ações afirmativas, além das cotas raciais, tivemos a criação da SEPPIR, Estatuto da Igualdade Racial, Programa Integral de Saúde da População Negra, a Lei 10.639/2003 que institui o ensino da cultura Africana e Afro-Brasileira nos currículos escolares, entre outras.
Nesta quadra histórica assistimos aqui no Brasil e no mundo a ascensão da extrema direita, com relevo para a eleição do republicano Donald Trump nos EUA, este cenário contribui para sentimentos racistas, preconceituosos e discriminatórios.
Por isso, considero importante a Resolução A/79/L.25 da ONU (Organização Nações Unidas) realizada em 17 dezembro do ano passado que institui na sua 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas renovou por consenso, resolução que proclama a Segunda Década Internacional para os Afrodescendentes, de 1º de janeiro de 2025 a 31 de dezembro de 2034, com o tema “reconhecimento, justiça e desenvolvimentoâ€.
Entre 2015 e 2024 foi o período da primeira década, cujo principal objetivo foi promover o respeito, a proteção e a realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de afrodescendentes, como reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Meta ousada para uma realidade onde o racismo estrutural e institucional ainda persiste. Até mesmo pelo tamanho do desafio os resultados foram insuficientes, é certo que avançamos do ponto de vista de marcos regulatórios. Contudo, mais do que compromisso com a agenda da equidade racial é preciso que os governos tenham nesta segunda década planos, e orçamento para dar dignidade aos afrodescendentes.
A resolução foi proposta pelo Brasil, em parceria com Antígua e Barbuda, Bahamas, Bolívia, Burundi, Colômbia, Costa Rica, Jamaica, Santa Lúcia e Estados Unidos. Em nosso país para superarmos as desigualdades sociorraciais ainda há um longo a caminho a ser percorrido. Racismo institucional, desigualdade entre brancos e negros no mercado de trabalho, e o genocídio e encarceramento da juventude negra, são exemplos de agendas prioritárias para alcançarmos a justiça social.
Preservar a memória de Sharpeville é buscar inspiração para nossas lutas cotidianas pela superação do racismo. As raízes do movimento negro estão na luta conta a escravidão, e tinha um conteúdo essencialmente político a busca pela liberdade. “Quem não sabe de onde veio, não sabe para onde vaiâ€, nossa ancestralidade africana é fonte de sabedoria, identidade e pertencimento. -

Emergência climática, racismo ambiental, e a necessidade de fazer o caminho de volta…
Um sol escaldante lá fora confirma a previsão meteorológica de que passaríamos por uma “onda de calor†neste fevereiro de 2025 aqui em terras capixabas. Conjuntura difícil no Brasil e no mundo, negacionismo e capitalismo cada vez mais predatório, em certa medida colocam em xeque a existência humana no planeta terra.
A mudança do clima está entre os maiores problemas ambientais da atualidade e entre as dez principais ameaças para a saúde global listadas pela organização Mundial de Saúde (OMS). Com o aumento global da temperatura, as projeções indicam que haverá intensificação do estresse térmico nos humanos, especialmente nas regiões tropicais.
Os impactos socioambientais não atingem igualmente as populações: minorias étnicas, comunidades periféricas, pessoas em condição de vulnerabilidade social, em especial as mulheres, sobretudo as negras, que representam as populações historicamente excluídas, invisibilizadas pela sociedade, são as mais afetadas pela poluição, pela falta de saneamento básico, pelo despejo inadequado de resíduos sólidos nocivos à saúde, pela exploração de terras pertencentes aos povos originários e populações tradicionais; pelas moradias em zonas de risco e insalubres; pelas enchentes; deslizamentos; rompimentos de barragens; contaminação; desmatamento; degradação e dano ambiental; e pelos eventos extremos cada vez mais frequentes em função da mudança climática.
Dessa forma, podemos caracterizar de racismo ambiental políticas, práticas e diretivas que prejudicam grupos ou comunidades com base em raça e cor. Assim o racismo ambiental é uma forma de discriminação racial que resulta em injustiças sociais e ambientais.
Precisamos todos nós, Estado e sociedade promover ações e políticas públicas que promovam a equidade socioambiental, promovendo iniciativas educacionais, e culturais que valorizem a diversidade. É fundamental a conscientização da sociedade para essa agenda.
Não existe planeta B, necessário se faz uma mudança de atitude, precisamos fazer o caminho de volta, nos reconectarmos com a natureza, com nossa mãe terra. Menos é mais, precisamos de que nosso consumo seja consciente, reduzir a pressão sobre recursos naturais que são finitos. Atitudes individuais comprometidas com o coletivo, refletirmos que planeta vamos deixar para as futuras gerações.
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, reparaâ€. Nossa ancestralidade em Ãfrica nos ensina que o um não existe sem o todo, tampouco o todo existe sem o um (Ubuntu). Em novembro deste ano acontece no Pará a COP 30, conferência do clima organizada pela ONU que abordará questões importantes como a transição energética e financiamento climático. Uma oportunidade histórica para fortalecimento da luta socioambiental.
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90 anos de Lélia Gonzalez: Papo Reto, Consciência e Militância
Parida em 1935, Lélia Gonzalez (1935-1994) era e continua sendo uma intelectual, ativista e professora brasileira que se destacou por uma abordagem que transava questões étnico-raciais, de gênero e de classe, tendo se tornado uma referência nos debates no Brasil e na América Latina. Mesmo depois de ancestralizar, Lélia continua viva na memória do nosso povo. Formada em História e Filosofia, Lélia desempenhou um papel inquestionável dentro da militância e do ativismo negro brasileiro.
Sua principal contribuição é sua atuação militante atrelada à sua produção intelectual, produção esta que visa a superação do colonialismo, do patriarcado e do capitalismo, pra ela a teoria só fazia sentido se tivesse a prática, se servisse pra mudar a vida do nosso povo. Não dá pra ficar só no papo acadêmico, tinha que botar a mão na massa e enfrentar o sistema de frente, e esse é o legado de Lélia para nossa geração, principalmente para a geração de cotistas negres do ensino superior.
Lélia fez da academia seu campo de batalha, ocupando espaços estratégicos e hackeando a lógica do conhecimento elitista. Ela desmontou a produção de saber da branquitude, escancarando como essa estrutura não dava conta — e nem queria dar — da luta antirracista, antipatriarcal e anticapitalista. Sua revolução foi virar o jogo, colocando os nossos saberes no centro, não como objeto de estudo, mas como fonte legítima e potente de conhecimento. Onde antes a academia via apenas corpos marginalizados, Lélia enxergou uma produção de saber atrelado à prática, capaz de construir um bem viver.
Pra que sua produção estivesse fincada na luta, participou da escola de samba Quilombo, participou de jornais militantes que visavam conscientizar a população, atuou em conferências da onu, construiu ativamente o Movimento Negro Unificado,é uma das fundadoras do PT, foi candidata a deputada pelo PT e depois pelo PDT , funda o Coletivo de Mulheres Negras Nzinga, participou do o primeiro encontro nacional de Mulheres Negras, esteve em protestos de rua, deu formação para o conjunto da militância, ou seja, Lélia não achou que simplesmente ser uma intelectual critica fosse suficiente, pelo contrário sempre esteve na luta por entender que o ocnhecimento libertador só podia ser produzido na luta e pela a luta.
Sua língua, como uma faca, cortou o véu da democracia racial para que a realidade viesse a tona. A partir da ocupação e apropriação da psicanálise, Lélia interveio na produção academica a respeito do povo negro, explicitando que o racismo brasileiro opera por denegação e simboliza o negro como o lixo da relação cultural brasileira. Dessa maneira, Lélia consegue trazer ao palco a neurose cultural brasileira, que opera ao condicionar o negro como objeto de satisfação da branquitude. O colonialismo busca dominá-lo de toda maneira, mas permanece insatisfeito, renovando sem parar as formas pelas quais ele atua na política e na cultura.
Lélia já deu o papo que teoria sem prática é caô. Aplicar o que ela trouxe é fazer da vida um corre de transformação e combate ao racismo. Na facul, é colar com os nossos, peitar professor branco que acha que sabe mais da nossa história que nóis memo, botar os livros de Lélia na roda e tensionar o rolê. No trampo, é não engolir sapo, se organizar, exigir que a firma trate nóis com dignidade. Na quebrada, é fortalecer os mais novos, trocar ideia, botar as preta pra se ver como potência e não como resto. Na internet, é afiar a língua, denunciar o racismo, espalhar ideia afiada. Lélia não queria só intelectual de fala bonita, queria nóis na rua, na luta, no front, cupim roendo esse sistema por dentro e por fora.
 Larissa Evellyn Lourenço
G. N. Carlini
Jacyara Silva de Paiva



